Como você imaginaria o estúdio de um mangaká profissional? Estantes de  mangás, mesas cobertas com pilhas de ilustrações, rascunhos, story boards e materiais do ofício como pincéis, lápis, canetas e réguas espalhadas por todo canto, certo?Bom, com certeza eu não sou a única que pensava desta forma.Então, vamos saber um pouco sobre o primeiro brasileiro a fazer sucesso como mangaká profissional e o seu dia-a-dia:
 O mangaká brasileiro Kamiya Yuu em sua mesa de trabalho.
  Da mesma forma que dizem que “todo brasileiro já quis ser um jogador de  futebol”, a maioria dos adoradores de anime e mangá um dia sonhou em ter  uma obra de sua autoria publicada. Kamiya Yuu não só conseguiu realizar  tal feito, como também provou que o mercado de quadrinhos nipônico não é  tão fechado para artistas estrangeiros como aparenta ser.  
  Exceto as estantes de mangá, nada de milhões de papéis com desenhos e  rabiscos espalhados pelo seu ambiente de trabalho. Em vez de bagunça, muita  organização. Seu escritório contém  sua mesa com 6 monitores  de computador e um tablet fora das proporções convencionais. Sua escrivaninha parece uma cabine de controle retirada de um filme no melhor estilo Guerra nas Estrelas. Tanta tecnologia dispensava o desenho a mão. Na tela do enorme tablet, traços digitais do seu mais novo mangá: Greed Packet Unlimited.
  No mesmo ambiente, outros três assistentes, também devidamente equipados  com máquinas de última geração, trabalham risco por risco com extrema  cautela. Se um traço saía errado, nada de borrachas: um toque no  teclado basta para apagar o erro. Cada monitor da mesa de Kamiya tem uma  função. Em três deles, o chefe pode observar o andamento do serviço de  seus ajudantes, enquanto nos outros restantes estão abertos dezenas de  programas como Photoshop e ComicStudio. Porém, com um toque da ponta de  sua caneta digital sobre o tablet, Kamiya pode alterar a  configuração das telas, arrastando-as para lá e para cá. Como em um  concerto de música em que o maestro comanda o ritmo da orquestra, o  mangaká hightech organiza o trabalho do dia-a-dia. 
  “Não são todos os mangakás que utilizam equipamentos e softwares tão  modernos. A maioria ainda prefere desenhar com papel e tinta à moda  antiga”, explica Kamiya, em japonês sem sotaque. Apesar da fisionomia  mestiça puxada mais para o lado verde-amarelo, o autor não mantém fortes  vínculos com a terra-natal, muito pelo contrário, “às vezes me dou  conta de que não nasci aqui. Raramente uso o português. Entendo tudo que  ouço no idioma, mas sinto dificuldade em montar uma frase”, comenta.  Kamiya chegou ao Japão cedo, aos 7 anos, quando seus pais decidiram se  tornar dekasseguis. Na época, o mangaká ainda era chamado pelo seu  verdadeiro nome: Lucas Thiago Furukawa. 
  Lucas Thiago Furukawa - As lembranças do Brasil  remetem à vida no interior, quando a família de Lucas morava em Uberaba,  Minas Gerais. Assim como muitos nikkeis, seus pais resolveram se mudar  para o Japão atrás de estabilidade financeira no começo da década de 90.  Sem muito contato com a cultura nipônica até então, Lucas só sabia  falar “arigatô”. A comunidade brasileira ainda não desfrutava da  infra-estrutura atual, por isso o choque cultural foi grande quando ele  entrou para o shogakko (primário) nas escolas japonesas. Por ser  “diferente” e por não conseguir se comunicar, Lucas inevitavelmente  sofreu nas mãos dos colegas de classe.  
  Mas à medida que os anos se passavam, a barreira do idioma ia se  tornando menor, e uma nova paixão ia crescendo. “Comecei jogando  videogame. Gostava do gênero RPG e na época que estava entrando para o  chuugaku (ginásio) já conseguia ler em japonês, o que me motivou a  assistir animes e ler mangás”, relembra. Depois das turbulências vividas  na fase de adaptação ao novo país, Lucas se identificou completamente  com a cultura pop e se tornou um legítimo otaku do arquipélago.
  Assim como muitos fãs das animações e quadrinhos japoneses, Lucas  decidiu se aventurar como desenhista. Quando tomou gosto pela coisa, um  colega que havia percebido o seu potencial o aconselhou a participar do  Comic Market, evento que reúne milhares de mangakás amadores em Tokyo  para expor seus trabalhos. Em menos de um mês, Lucas criou uma história  que envolvia personagens de mangás já consagrados, no melhor estilo  “dojinshi” e se inscreveu na exposição. O resultado não foi dos  melhores, mas a experiência havia lhe agradado. Começou a apresentar seu  trabalho em todas as edições da feira até que um dia o inesperado  aconteceu. Um “olheiro” de uma uma editora de mangás havia gostado do  seu estilo. 
  Kamiya Yuu - Apesar de não estar satisfeito e  considerar o próprio traço “feio” na época, Lucas recebeu a proposta de  fazer ilustrações para o site da editora. Os dias de “bico” duraram  aproximadamente meio ano, até o rapaz adotar o pseudônimo “Kamiya Yuu” e  ser convidado a publicar sua própria obra nas edições mensais da  revista Dengeki Maoh. Como qualquer outro mangaká profissional, Lucas,  ou melhor, Kamiya Yuu, tinha direito a 33 páginas para elaborar a  história que quisesse, é claro, sempre com a supervisão de um editor.  Com a nova proposta - e com as economias dos bicos - ele se mudou para a  província de Saitama, próxima à região que faz divisa com Tokyo.  Começava uma nova vida sob o codinome Kamiya Yuu.
   Antes de se isolar no escritório para desenhar o primeiro capítulo de  “Earise” (Earth), o autor lembra que estava empolgado e se sentia  preparado para lidar com a nova profissão. Ledo engano, comentaria mais  tarde. “Durante a produção das 33 páginas que dura aproximadamente 20  dias, acho que consegui dormir um total de 50 horas. Foi realmente muito  sacrificante e cansativo, sem contar a pressão. (Além de seu mangá,  outros profissionais do ramo, alguns com anos de experiência, também  desenhavam para a publicação). Fiz e refiz cada página várias vezes,  pois nada me satisfazia. Foi realmente um inferno!”, conta Kamiya. 
  A experiência parece ter sido bastante traumática, pois o mangaká afirma  que sentiu mais alívio do que alegria quando segurou nas mãos o  primeiro tankobon de Earise. (Depois que os capítulos dos títulos  publicados nas revistas acumulam um certo volume, eles ganham o  tradicional formato livro, os chamados tankobon). Depois de três anos  compenetrado com Earise, e de certa forma, ganhando espaço no mercado do  gênero, Kamiya recentemente lançou outra obra, intitulada “Greed Packet  Unlimited” pela mesma editora. Além da segunda empreitada, os pedidos  de ilustração foram aumentando, fazendo com que o mangaká pedisse a  ajuda de mais três assistentes, sendo que um deles, o responsável pelas  artes em 3D, divide o mesmo apartamento. As outras duas ajudantes também  costumam “morar” na casa em épocas de muita correria.  
  Em compensação, Kamiya pôde bancar o equipamento supermoderno,  facilitando o serviço diário. Por conta do processo que utiliza  tecnologia de ponta, um dos empecilhos que o desenhista encontra  atualmente é contratar assistentes que saibam mexer nos softwares e  tablets de última geração.
 Lucas exibe seus antigos e recentes trabalhos: de  “dojinshi”, da época em que era amador, ao sucesso como autor de uma das  principais editoras do Japão.
  Geralmente, Kamiya acorda lá pelas 9h. Mãos à obra. O expediente no  trabalho começa em torno das 11h e, dependendo do dia, Kamiya e seus  assistentes só largam a caneta digital lá pelas 22h ou 23h. Não existe  fim de semana. Por isso, há épocas em que o desenhista mal pode sair de  sua casa por dias. “É preciso gostar muito do que faz, porque não tem  descanso”, conta. Conheça a seguir, o dia-a-dia do autor, desde o começo  da produção de um capítulo até a revista pronta nas bancas:  
Dia 26 - “Já tenho o desenrolar da história, do  começo ao fim, pronto em um arquivo de texto com todas as falas dos  personagens. Dividi o enrendo de acordo com o número de capítulos  previstos. Começo a checar o “script” mais ou menos no dia 26 de todo  mês, depois que enviamos o capítulo anterior para a gráfica.”
Dia 27 - “Me encontro com o editor da revista no dia  seguinte, já com o rascunho inicial pronto. Faço os rabiscos em um  caderno qualquer, a lápis mesmo. Nos reunimos em qualquer café ou  restaurante e ficamos praticamente o dia todo conversando a respeito do  capítulo.” 
 Dia 28 - “Cada mangaká tem sua própria maneira de  produzir o capítulo, por isso, não existe uma forma convencional. No meu  caso, faço as devidas mudanças indicadas pelo editor e jogo as falas  nos balões. Também organizo os quadrinhos de acordo com o projeto. Esse  processo inicial demora pouco mais de 2 horas.”
 Dia 28 a dia 2 do mês seguinte - “Ainda no mesmo dia,  começo o ’shitagaki’, ou seja, faço o rascunho já com o tablet. Já sei a  delimitação de cada quadro e o espaço para os balões de fala. Termino  de desenhar as 33 páginas em aproximadamente quatro dias.”
 Dia 2 a 7 - “Graças ao programa e ao sistema moderno  que utilizo, posso clarear o desenho inicial, do desenho definitivo.  Aqui, em azul, está o rascunho que fiz nos quatro dias anteriores. Agora  o foco do trabalho é reforçar o traço dos personagens.”
“A partir daqui, divido o trabalho com os assistentes. As partes  monótonas eu repasso para eles (risos). Eu me foco mais ainda nos  personagens, colocando diferentes tonalidades de cinza para “colorir”  algumas partes.
Reparem que há traços que expressam movimentos. Dessa forma, o desenho ganha mais emoção.”
Dia 7 a 15 - “Uma das assistentes é responsável em  desenhar paisagens e contextualizar o ambiente em que se passa a  história. Nesses dois quadrinhos ao lado você pode reparar a diferença:  enquanto faço a personagem, a minha ajudante completa com o fundo. É o  processo chamado arte-final.”
 Dia 12 a 14 - “Enquanto fazemos o capítulo, envio a  prévia para o editor. Se ele não tiver sugestões ou pedidos de mudança  (coisa que raramente acontece), conseguimos acabar o trabalho mais ou  menos no prazo. Também aproveitamos o processo para fazer os retoques  finais.”
Dia 14 - “O prazo de entrega acontece por volta do dia  14. Confiro página por página para ver se não há nenhum erro, ou se  deixei de complementar algum detalhe. Se as 33 páginas estão ok, envio  para a editora. Caso eles aprovem, a arte vai para a gráfica e….”
Dia 27 - “Finalmente, depois de alguns dias sendo  compilado à revista com capítulos de outros autores, o mangá chega  impressa às bancas no dia 27. Você está muito enganado se acha que eu  estava descansando nesse período. Enquanto o mangá está na gráfica,  aproveito para fazer “bicos” como ilustrador de livros e games.” 
Então, para quem tem interesse, fica aqui o exemplo desta cara super demais, que conseguiu realizar seu super sonho! Nunca desistam dos seu snhos :) 
Esta reportagem foi publicada originalmente na revista Made in Japan 137, de fevereiro de 2009. 
Esta reportagem foi baseada na escrita por Cesar Hirasaki.




















Eu nunca li mangá, mas achei super legal um brasileiro se dar bem nesse ramo...
ResponderExcluirE fica a dica que os sonhos não vem de mão beijada né, tem que ralar muito pra conseguir realizá-los...
Parabéns ao Lucas ou Kamiya Yuu!!!
Gente q interessante, não tinha visto este post ainda, é como meu namorado fala, aonde vc imaginar, tem um brasuka no meio, q legal msm, adorei, mto bem feito o post...
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